Arroz e feijão perdem espaço nas lavouras para grãos usados em ração; professor de economia explica
A dupla arroz e feijão é uma das preferidas da mesa brasileira, mas tem cada vez menos espaço nas lavouras. Perde, ano a ano, área para outros grãos como a soja e o milho, duas das principais commodities agrícolas brasileiras destinadas à exportação.
Com o avanço, o Brasil reduz a produção de alimentos para pessoas e aumenta a produção daquilo que será transformado em ração para animais, especialmente porcos e aves, e em óleo de cozinha em indústrias de alimentos localizadas principalmente na China, no caso da soja, e no Irã, com o milho.
A China foi o destino, até novembro de 2022, de 68,3% das exportações de soja brasileira. As vendas externas de milho no mesmo período, segundo a Secex (Secretaria de Comércio Exterior) do Ministério da Economia, foram para o Irã (17% do total), Japão (11,8%), Espanha (11%) e Egito (10,4%).
O resultado, para o mercado interno, é inflacionário.
Além de perderem área, feijão e arroz para consumo interno sofrem também com o aumento das exportações desses grãos. Boas para quem produz e está negociando em dólar e positivas para a balança comercial, as vendas externas podem ser ruins para quem vai ao varejo comprar seus pacotes de 1, 3 ou 5 quilos desses alimentos.
O professor de economia internacional da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) Simão Silber diz que esses alimentos também enfrentam, desde 2015, a redução na demanda como consequência de surtos inflacionários que apertaram o poder de compra dos brasileiro.
”Sem dinheiro, o consumidor migrou para outros alimentos como macarrão. Ele teve que mudar a dieta por questões de orçamento, porque na renda dele passa a não caber o prato de resistência, o arroz, feijão e alguma carne”, afirma.
A POF (Pesquisa de Orçamento Familiar) do IBGE, que mede o que os brasileiros estão consumindo e serve de referência para a cesta da inflação, mostrou queda no consumo de arroz e feijão em 2017 e 2018 na comparação com 2008 e 2009. O consumo frequente de arroz passou de 84% para 76,1%, e o de feijão, de 72,8% para 60%.
Essa redução forçada pelo poder aquisitivo menor também arrefece o interesse de quem produz. No Rio Grande do Sul, onde cerca de 70% da produção de arroz está concentrada, pelo menos 500 mil hectares passaram a ser destinados à soja nos últimos dois anos. Há ainda os que passaram a plantar milho ou trigo e a criar gado.
”Soja tem mercado futuro. O produtor planta já sabendo por quanto vai vender e o custo por hectare é a metade do arroz. De R$ 6.000 por hectare com a soja, ele gasta R$ 12 mil com o arroz”, diz Alexandre Velho, presidente da Federarroz (Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul).
Neste ano, a produção gaúcha de arroz deverá ser 100 mil hectares menor do que a do ano passado (de 950 mil hectares para 850 mil hectares), justamente pela maior atratividade de culturas destinadas à exportação.
As vendas externas de arroz também subiram. De janeiro a novembro, o aumento é de 371% na comparação com o mesmo período do ano passado. Segundo o representante dos arrozeiros, o câmbio favoreceu o Brasil, deixando o arroz brasileiro mais barato do que aquele produzido nos Estados Unidos, e que é vendido principalmente para o México e demais países da América Central.
Em outubro, 30 mil toneladas de arroz com casca (aquele que ainda não passou pelo beneficiamento na indústria) foram comprados pelo México. Velho admite que a combinação de fatores como a destinação de áreas para soja e para pecuária e as exportações pode gerar pressão de preços, ou seja, subir o quanto paga o consumidor final. Ele defende, no entanto, que o arroz brasileiro é barato na comparação com a produção de outros países e tem qualidade superior.
”Pode trazer uma pressão de preços, mas ainda é barato. Se houver um realinhamento de preços vai ser pequeno, vai passar de R$ 4 por quilo para R$ 4,40”, diz. Segundo o IEA (Instituto de Economia Agrícola), ligado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do governo de São Paulo, o quilo do arroz acumula alta de 5,44% até novembro de 2022 e custava R$ 4,94.
O caso do feijão é ainda mais complicado, especialmente para quem faz questão do tipo carioca. Sem mercado externo para essa variedade, os produtores plantam cada vez menos um dos favoritos do consumidor local. De janeiro a novembro de 2022, o feijão-carioca acumula alta de 19%. Em 12 meses, o aumento está em 15,84%.
Em São Paulo, no dia 8 de dezembro, a saca de feijão-carioca chegava a R$ 415, segundo o Ibrafe (Instituto Brasileiro de Feijão e Pulses). No mesmo dia, o feijão preto em Minas Gerais custava R$ 290.
Marcelo Lüders, presidente do instituto, não vê muita saída para o dilema do tipo carioca. O jeito, na avaliação dele, é o consumidor se abrir para outras variações, como o rajado (que parece o carioca). Cerca de 60% do consumo do mercado interno brasileiro ainda é do feijão-carioca.
E essa variedade enfrenta ainda uma segunda desvantagem, a perda de área para as commodities e que afeta todos os tipos de feijão. A área plantada total de feijão no Brasil na safra 2022/2023, somadas todas as variedades será, segundo projeção na Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a menor desde 1976.
A estimativa da companhia é de 2,7 milhões de hectares destinados aos feijões; 46 anos antes, eram de 4,5 milhões de hectares. No mesmo período, a produtividade melhorou e, por isso, a perda de área plantada não chegou a representar uma redução na produção. Porém, a evolução, em quase 50 anos, é quase insignificante. De 2,2 milhões de toneladas na safra de 1976, para 2,8 milhões na safra de 2022.
O Ibrafe projeta que o número final das safras deste ano ficará abaixo das projeções da Conab. O resultado tem origem similar ao que vem acontecendo com o arroz: o mercado de commodities é mais estável e rentável do que trabalhar com os feijões.
O comércio exterior de commodities é o que Silber, da FEA-USP, considera um ”mercado muito bem estabelecido”, que vem se estruturando desde o fim da 2ª Guerra Mundial, com alto nível tecnológico.
”Você traz para o presente a perspectiva de safras futuras, algo que dá muita estabilidade para comprador e vendedor, e isso a gente não tem nas culturas tradicionais”, diz. O fluxo comercial, segundo o professor, também representa uma escolha feita pelo agronegócio há muitos anos, a de priorizar o comércio internacional.
Na tentativa de melhorar as condições do mercado e incentivar a produção de variedades com boa receptividade internacional, o instituto dos feijões definiu uma série de estratégias para este e o próximo ano. A possibilidade de exportar, diz Lüders, dá uma salvaguarda ao produtor de que mesmo que o consumo interno refugue, há possibilidade de escoar a produção.
Entre as apostas do setor está a receptividade do crescente mercado vegano e vegetariano, no qual feijões e outros pulses, como são chamados lentilha, ervilha e grão-de-bico, são considerados importantes fontes de proteína.
A entidade queria realizar neste ano um evento na linha do Rally dos Sertões -batizado de Rally dos Feijões- durante o qual promoveria rodadas de negócios, palestras e discussões sobre o mercado em cidades do interior do Mato Grosso, importante polo produtor. Marcado para o início de novembro, precisou adiar o evento.
Na época, contou Lüders, o agro matogrossense estava parado, com medo de plantar, e mobilizado em atos antidemocráticos contra o resultado das eleições de 30 de outubro.
Segundo a Conab, em boletim de novembro, a área plantada de feijão em Mato Grosso foi reduzida pela metade, ”em detrimento principalmente à cultura do milho”. Em 2021, o Brasil registrou recorde na exportação de feijão caupi (também conhecido como macássar, fradinho ou feijão-de-corda), o segundo mais produzido no país. Com informações do Bahia Notícias
Fonte: Marocs Frahm